quinta-feira, 29 de março de 2018

Medo da chuva

   Está ficando difícil respirar. Sob os escombros, o corpo dói em diversas fibras de músculos estiradas pela extensão da carne. Chove pouco, e não dá pra dizer se as gotas geladas aliviam ou pioram meus membros imobilizados.
   ‎Eu conheço bem a chuva. É como se quisesse me empurrar para baixo partícula a partícula. Vez a vez em que choveu, antes mesmo do medo, antes das ruínas, antes do meu corpo colidir com os escombros.
   ‎Na segunda vez que vi esse prédio estava chovendo. Não lembro se foi naquele dia que eu me encantei pelo lugar, mas lembro de ter pensado que poderia ser a minha casa. Eu corri da chuva e me escondi debaixo da marquise. E me deixei por horas contemplar a arquitetura que, de acordo com a minha imaginação, parecia com a Portland que encantava Lovecraft. Outro dia eu passava na frente, com um interesse mais fervoroso, quando começou a chover granizo. E aquele lugar parecia seguro, tinha até chance de se tornar lar.
   ‎Quando toda aquela construção colossal e radiante desabou eu caí com os escombros. Já havia feito antes visitas suficientes pra saber que haviam rachaduras nas paredes, problemas na fundação, estrutura construída na medida do orçamento possível. E por um lado me surpreendi, porque de acordo com os cálculos da minha fantasia aquele era o lugar perfeito pra chamar de lar com seus defeitos charmosos aos olhos de quem despreza a arte e a arquitetura tanto quanto eu. E por outro, me senti culpada por comprar o apartamento sem resolver os problemas estruturais. E quando choveu, desabou. E agora estou sob os escombros.
   ‎A verdade é que escrevo esse sentimento deitada em minha cama. Acima de mim, como escombros, toda a reflexão de como tudo foi tão bom antes da gente desmoronar, e como a gente desmoronou sem motivo. Quando ando pela cidade, parece que todos os apartamentos poderiam ser o nosso se as coisas entre nós e fora nós melhorassem um pouco. Nunca tive na verdade dinheiro pra comprar um apartamento, mas noite passada sonhei com aquele que ia ser o nosso par de alianças.
   ‎Como um corpo sob nossos escombros eu fico deitada, sem saber se você ainda chamaria de seu o meu lado vazio sob a chuva e escombros.