Está ficando difícil respirar. Sob os escombros, o corpo dói em diversas fibras de músculos estiradas pela extensão da carne. Chove pouco, e não dá pra dizer se as gotas geladas aliviam ou pioram meus membros imobilizados.
Eu conheço bem a chuva. É como se quisesse me empurrar para baixo partícula a partícula. Vez a vez em que choveu, antes mesmo do medo, antes das ruínas, antes do meu corpo colidir com os escombros.
Na segunda vez que vi esse prédio estava chovendo. Não lembro se foi naquele dia que eu me encantei pelo lugar, mas lembro de ter pensado que poderia ser a minha casa. Eu corri da chuva e me escondi debaixo da marquise. E me deixei por horas contemplar a arquitetura que, de acordo com a minha imaginação, parecia com a Portland que encantava Lovecraft. Outro dia eu passava na frente, com um interesse mais fervoroso, quando começou a chover granizo. E aquele lugar parecia seguro, tinha até chance de se tornar lar.
Quando toda aquela construção colossal e radiante desabou eu caí com os escombros. Já havia feito antes visitas suficientes pra saber que haviam rachaduras nas paredes, problemas na fundação, estrutura construída na medida do orçamento possível. E por um lado me surpreendi, porque de acordo com os cálculos da minha fantasia aquele era o lugar perfeito pra chamar de lar com seus defeitos charmosos aos olhos de quem despreza a arte e a arquitetura tanto quanto eu. E por outro, me senti culpada por comprar o apartamento sem resolver os problemas estruturais. E quando choveu, desabou. E agora estou sob os escombros.
A verdade é que escrevo esse sentimento deitada em minha cama. Acima de mim, como escombros, toda a reflexão de como tudo foi tão bom antes da gente desmoronar, e como a gente desmoronou sem motivo. Quando ando pela cidade, parece que todos os apartamentos poderiam ser o nosso se as coisas entre nós e fora nós melhorassem um pouco. Nunca tive na verdade dinheiro pra comprar um apartamento, mas noite passada sonhei com aquele que ia ser o nosso par de alianças.
Como um corpo sob nossos escombros eu fico deitada, sem saber se você ainda chamaria de seu o meu lado vazio sob a chuva e escombros.
quinta-feira, 29 de março de 2018
Medo da chuva
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