quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Ampulheta de papel

Porque é mais evidente a minúcia
De cada parede em meu quarto,
Mais incômoda,
Menos diferente,
Eu me acomodo mais cedo
Para adiar o imutável,
Cada dia me acomodo
Mais desconfortável,
Com a urgência de chegar algo ou alguém
Ou alguma coisa
Alguma pessoa.

Tudo o que eu precisava dizer,
Já disse ontem.
Há uma nota autoadesiva na minha parede,
Lembrando que antes não estava colada,
Eu não precisava lembrar de nada,
E assim sei que o tempo ainda não morreu.
Entre ontem
E hoje,
Eis o que aconteceu:

Hoje acordei incomodada por estar dormindo.
Levantei, a parede cheia de lembretes,
Uma ampulheta de papel infindo.
Eu não quero conversar.
Entre ontem
E hoje,
Nada nem ninguém,
Nenhuma coisa,
Nenhuma pessoa chegou.

Se eu saísse para dar uma caminhada,
Hoje seria um dia diferente.
Além da parede,
A minúcia da rua - e do bairro - é que não há nada.
Tudo o que eu precisava dizer,
Guardei na memória,
Até que eu senti vontade de falar sobre aquilo e já não lembrava mais.
Volto a escrever,
As mesmas palavras,
Que me dão agonia,
Não são as palavras que eu queria,
E assim sei que ainda sei pensar.

Se quando alguma coisa acontecer
Eu já não souber mais falar,
Não souber lembrar,
Não souber mais pensar,
A parede vai continuar como está?

Não sei bem por quê,
Mas o tempo parece importante para algo
Ou alguém.

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