segunda-feira, 14 de março de 2016

Nota sobre a nota

Todos os dias eu acordo cansada
Do sol batendo na minha cara,
De viver inacordada.

No início, era o sangue
Mesclado com o da minha mãe,
Mestiço,
Era a dor paulatina,
O sangue do espermatozoide
Fadado à ruína.
No início era bom
Devanear a constância
Das alegrias,
Da infância.

Todos os dias eu acordo cansada
E esperança eu tenho
Em nada.

O sangue, meu sangue,
Era travesso,
Em ralados e cortes
E cascas de ferida
Vertia,
Fluía,
Em plena alforria,
A vida.
No início, era o sangue,
Louco, desenfreado,
Transportando a decadência
Em um coração desorientado.
Feito platéia da desgraça,
Batia menos,
Cada vez mais lento,
Cada vez mais fraco.

Todos os dias eu acordo cansada,
Eu não me lembro do som
Da minha risada.
Tenho feridas abertas
Que cauterizam devagar
Na água salgada do mar,
Meu sangue toca o subconsciente
                    [coletivo,
A alma de todas as dores além da minha,
E cada alma oceânica.

Todos os dias eu acordo cansada
Da luz da TV bater na minha retina.
Na TV parece lindo ser feliz,
Até acho que é moda,
Mas ainda sou aquariana.
O que quero dos sonhos que me
                    [vendem,
Da vida que me atiram
Pra ter que ouvir
"Mas você gostaria se tivessem te
                    [abortado?"
Meus objetivos todos
São qualquer coisa de um futuro
                    [tanto faz.

Quando eu crescer, não quero ser
                    [ninguém.
Nem sei se quero crescer
Nem se quero ser
Humano são
Na existência hormonal
Da compulsão
De qualquer sangue.

Todos os dias acordo cansada
De procurar um sentimento
Ou sensação diferente.
Quanto mais fácil, pior a qualidade,
Quanto mais difícil, menos eu me esforço,
Quanto mais veia, menos sangue,
O MEU sangue nunca foi meu.
Talvez eu queira uma conexão forte
Com nada.

No início, era o sangue,
Meus dias são uma constante contagem regressiva,
E o sangue, meu sangue,
Que já me manteve viva
Marcava minha pele corrompida,
No último papel de carta
Que foi minha despedida.
No fim, era o sangue,
Meu sangue,
Misturado ao de ninguém,
E acordei cansada.

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