quarta-feira, 19 de abril de 2017

Lizzie

   Não entendia bem aquela desatenção a tudo o que fazia. Porque não tanto tempo atrás fora pinxejinha do papai, e criquinha da vovó, e seu apelido soara com um carinho contrastante se comparado ao tom de costume em tempos recentes.
   O apelido foi a primeira mudança que notou. Soava como se a chamassem pelo apelido simplesmente porque a conheciam há muito tempo e esse costume fazia seu apelido soar patético. E como, em algum lugar do mundo alguma fada morreu quando ela disse que não acreditava em fadas, também se apagou o apelido quando pareceu que as pessoas não acreditavam mais em Lizzie.
   E também houve a ocasião em que saltitava pelo parquinho e alguma outra criança olhou com o cruel desdém à infância que têm aqueles que começam a entender que já são crescidinhos.
   E reparou que suas conquistas já não eram tão conquistas; talvez, no máximo, obrigações a serem cumpridas. E cobradas. E ela sentia falta não só do brilho imaginário da coroa - e não só da coroa - de pinxejinha, mas também do pó mágico, e do colorido que têm as roupas das crianças se comparadas às cores mortas dos jovens de sua idade.
   E notou também que, diferente da língua inocente das crianças, ao falar dos jovens misturam-se também o sarcasmo e a polissemia e a pretensão, e houve a ocasião em que suas palavras chocaram-se com estas. Disse aos amigos que não queria ficar mais velha. E respondeu nesse idioma novo e cheio de sutilezas um dos amigos que alguém, em algum momento na história da humanidade, havia encontrado a fórmula para perdurar a beleza da juventude. Mas, que beleza o quê? Ela se sentia muito mais como um Peter Pan do que como uma viciada em cosméticos. Um Peter Pan chocado com a pretensão no idioma novo.
   E tanto deixou de se notar seu brilho e genialidade da infância, que ela também desacreditou que existiram.
   Mas é claro que a maioria das pessoas achou tudo aquilo uma tragédia absurda, uma coisa que não se faz. E também teve quem achou bonito. Quando quem já tinha crescido a viu de novo, a água vermelha encobria considerável volume daquele humano adulto maior que a banheira. Não se deu conta, é claro, pois nessas alturas já não se pode dar conta de nada. Mas é fato que, em sua busca pela infância eterna, depois de banhar-se em sangue inocente, nunca mais envelheceu.

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