sábado, 28 de agosto de 2021

Eu não quero ser lida

   Eu não quero mais ser lida. Sou mestre das linhas e não há uma palavra que escrevo e não controlo. Não há uma palavra que não seja gatilho, direto, indireto, consciente, inconsciente, as palavras são máscara de meus anseios. Não há um dizer que não signifique o que sinto, uma vírgula fora do meu desejo de cativar, e cativo, da minha sede de que um olhar não se desvie.
   Mesmo tentando, não quero ser lida. Quanto menos sentimento transpiro em palavras, maior o sentimento que escondo. E quanto mais escondo, mais entrelinhas se fazem de minhas palavras, quanto mais escondo, mais arraigado em meu subconsciente, mais eu temo, mais inconcebível se torna que algo exista, e por isso de nada me adianta escrever para ser lida - já não posso ser lida.
   Quando lidas, minhas palavras brandas e suaves não doem, não maltratam o papel, não me fazem remoer relendo, e tenho paz. A serenidade que me entorna é tediosa. A beira do abismo que já não me seduz me foi mais envolvente. Dançamos como um corpo, sujos, espalhando nossa agonia e sangue pelas paredes do meu templo, marcamos a pele e veias do meu altar como chama que espalha. E comparada à beira do abismo - que já não me seduz - a serenidade, a calma que me abraça é como calamidade. É a urgência de saber que não sou, não pertenço à ordem, a um centro. E saiba, se o abismo já não me seduz, entenda: o que desejo, e o quanto o desejo, é o topo do que não tivemos.
   Quando escrevo palavras limpas, as escrevo como uma súplica. Meus desejos são sujos. Portanto, a quem me estiver lendo - não leia. Eu não quero ser lida, quero ser devorada. Quero o desespero entre entregar a mensagem ou não, fazendo - ou fingindo que faço - o maior esforço possível para não entregá-la. Porque não poder dizer nunca me impediu, e entregar a mensagem que não escrevi é como o vento, intenso, espalhando minha chama como uma tempestade.

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