quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Conhecer

   Uma figura caminhava perto do local do incêndio. Não o tinha como objetivo - pois o desconhecia -, mas talvez como destino. Também pouco se fazia notar o rastro deixado pelo fogo. A quem o conhecia, nada era alarmante ou perigoso. Ou ao menos, não mais. Hora havia sido ardente, como uma labareda espalhada pelo vento. Ao último momento que foi avistado, minguante, como a chama de um toco de vela lutando para não afogar-se na cera. Mas a figura, em seu trajeto, parou. Não pelo fogo, pois não o tinha visto, nem pela pilha de carvão, pois pouco a cativara.
   Uma mão se erguia sob os pedaços de carvão. Suja, empoeirada, macia. Arrancava lasca a lasca da matéria queimada que a envolvia, fossem elas mais uma urgência que um fardo. O peso dos dejetos consumidos pelo incêndio pouco podia impactar a certeza na mão que emergia para removê-los. O preto da fuligem não conseguia cobrir por completo o rosado da pele fresca da mão, que já se tornara um braço. Enquanto removia as lascas, borboleteava vez ou outra pelo ar, tateava os arredores, como se sentir a brisa fosse não mais, porém tão urgente quanto a sede de emergir por completo.
   A figura aproximou-se, e enquanto a mão que pendia do braço tateava o mundo, se deixou tocar. A mão pareceu reconhecer uma forma, e como se fosse tão importante quanto o ar, os arredores e a necessidade de remover o carvão, se deixou, por quase que um minuto, repousar sobre a mão que lhe foi oferecida. Então, a guiou por sobre os dejetos, que deixaram de ser uma urgência ao ser tocados pela gentileza.
   E aos poucos havia, onde houvera carvão, outra figura. Suja de fuligem, que a ornava feito sangue fresco, mas não podia lhe esconder a pele macia e avermelhada, sensível, exposta, que novamente experimentava o mundo. Seus olhos se abriram, ígneos, para tocar feito nunca o houvesse feito toda a luz e cor que existe, toda a forma, como a forma gentil de outra figura que lhe contemplava ao lado.

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