domingo, 27 de março de 2022

Azoth

A lua líquida invade minhas veias,
Meu sentimento é tóxico.
Vielas de rotas meias,
De vícios e velhices mesquinhas,
As artérias minhas
Espalham, até a casa,
O arauto da miséria divina.

Há uma casa em mim que não é casa.
Eu nunca mais andei por aquelas ruas
Em que meu sangue fluía no trânsito
Das pulsações tuas.
Os grafittis alegram a fachada colonial
E o mato alto ocupa o trono
Tomando de volta a matéria da casa
Largada ao abandono.
Eu nunca mais virei aquela esquina
E me encostei no muro para chorar.

Há muito tempo eu senti tanto frio que
                    [fechei o casaco,
Sentei na janela
(Chovia),
Senti o olhar para o lado
E o frio não sorria.

Há muito tempo corri sozinha por aquelas
                    [ruas
Mais rápido até que o cansaço que sequer
                    [me alcançou
Eu corria feliz por estar atrasada
E ter desperdiçado olhando para o frio
Os últimos segundos daquela geada.

A lua bate cheia feito doença ou toxina
No corpo,
Bate pela janela da casa,
Ilumina o mato frio
Que pouco a pouco
Cura o vazio.

A lua cheia bate cinza,
Cochicha ranzinza:
Solidifica,
Solidifica,
Que há de melhorar.
Deixo que a maçaneta se gire,
Que a porta se abra
E a casa respire
O frio que vai congelar
Pouco a pouco
A luz dela,
Que invade o seguro
Oculto no escuro
Pela minha janela.

Talvez as ruas por onde nunca mais andei
                    [estejam intoxicadas pela luz
Ou eu esteja muito alheia,
Mas sei que cada rua
Não escapará da lua
Que me é fatal.

Esses dias, o calor
Rompeu o concreto da casa que não
                    [conheço mais
(Nunca mais tomei aquele caminho),
E virei o rosto, a implorar
Que meus olhos parassem
De queimar.

Um dia desses caminhei sozinha por
                    [aquelas ruas,
Saudei o ídolo de bronze ao lado de dEUS.
Eu andei devagar porque há muito tempo
                    [não andava por lá,
Como se o sangue fluísse devagar
Absorvendo cada centímetro
E cada toxina
E cada sentimento
Daquele lugar.
(A lua é líquida no maL que me fez
Por tantos meses,
Por tantas vezes)
E notei uma casa que pulsa vazia
E nas ruas dos meus braços
(E dos alheios), doía.

Todo mês vejo a lua cheia
Mordiscar pelas janelas
O interior da casa vazia
E, por um segundo, acredito que a luz
                    [solidificará.

Mas o resto é resto,
E pouco a pouco
Tudo é tomado pela folhagem,
O espaço volta
A ser paisagem
Até mês que vem
Ou até nunca.

O mercúrio, esqueço, nunca vai virar
                    [prata.

Nenhum comentário:

Postar um comentário