quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Sobre os prazeres tardios

    Estávamos no Burger King do Mueller. Pós cinema, acho. Doutor Estranho, talvez. Não tenho certeza. Eu gostava dos sanduíches de picanha. Você ia comer um hambúrguer do tamanho da sua cara. Naquela época, a gente juntava os cupons do papelzinho que vinha na bandeja pra pegar promoção, eu tinha um daqueles em cada bolsa. Pode ter sido dessa vez que ri da sua cara porque você tinha um cartão do Nubank, te chamei de liberal de merda. Posso ter segurado sua mão, não lembro, mas provavelmente segurei. Era um encontro. Não me lembro muito certo das coisas que, nem quando, aconteceram naquele tempo. Eu te amava.

   Mas dessa vez não é sobre você. Acho. É que lá atrás era tão sobre você que não tenho certeza de onde fica o limiar, se era realmente tudo melhor ou apenas eu enxergava o mundo diferente quando era tudo sobre você. Sei que algumas coisas com toda a certeza do mundo eram melhores. Eu gostava de ir na Americanas comprar CDs, sempre encontrava o CD da Lana que tinha acabado de lançar, eventualmente com 50% de desconto. O preço cheio também era mais barato. Hoje em dia, lá não vende mais CD. No máximo, um ou outro, sertanejo ou sei lá - hoje eu vi pra vender, ocupando o único espaço na prateleira vazia, um CD da ex-deputada que assassinou o marido, esse não tinha nem desconto. Sei que outras coisas eu com certeza deixei de reparar porque você estava lá.

   Estive no Burger King do Mueller. E hoje, ninguém mais tem cupom, nem sei se existe mais. Talvez exista e eu só não saiba, não saia de casa. Mas tem um aplicativo de cupom. Burocrático, tem que ter cadastro, fazer login com CPF e senha e digitar o código do cupom no totem de autoatendimento que é pra não usar mais de uma vez. O totem também não funciona bem. A opção de usar cupom é ofuscada por um botão gigante de iniciar compra. A sugestão de participar de um clube de ofertas pula feito spam na sua cara, você tem que desviar pra fazer a compra. E na hora de finalizar a compra, alguma coisa buga, e como uma pessoa que entende de desenvolvimento de aplicativos, é muito difícil acreditar que não seja proposital.

   Meus sanduíches de picanha não existem mais. Os outros, não acho tão bons quanto achava antes. Aquela área grudada no canto do restaurante com as mesas, onde a gente gostava de sentar, mas era difícil conseguir lugar, estava interditada. Por conta da pandemia, acho. Mas era permitido aglomerar nas outras mesas da praça de alimentação, com certeza tinha menos de um metro de distância entre uma e outra. Não que aglomerasse. Não tinha mais fila, não tinha gente esperando pedido ficar pronto, não tinha tantos atendentes preparando os pedidos, não tinha ninguém supervisionando quem podia ou não colocar mais Pepsi no copo de free refill. Reparei no letreiro luminoso, parecia desbotado, fraco, ou talvez com uma ou mais lâmpadas que não funcionavam.

   Sentei numa mesa pra tomar a minha casquinha, na cadeira ao lado, nenhum motivo para ficar ali parada, sentada, tomando uma casquinha. Porque contemplei em silêncio todo esse flagelo de alguma memória que já me deu prazer um dia, preferi não falar nada. Isso não é assunto, eu queria ir embora.

   Embalando a memória e devolvendo-a à caixinha onde deixo guardada, não consegui decidir se deixava com ela a narrativa de que segurei sua mão aquele dia. Verdade ou não, não ia mudar o que senti, nem o que sinto, nem me devolver o prazer daquele lugar. Quando eu te amava, você era o conforto de que podíamos sentir esses prazeres, de que as minhas dores não me impediriam de fazer essas coisas normais. A memória foi valiosa, e vai manter a caixinha preenchida. E assim como nunca vai existir - não quero que exista - outro você, as coisas também nunca voltarão a ser normais. É tudo tardio demais, esgotado demais. E cada vez tenho menos amor e menos caixinhas para me abrir para algo novo.

domingo, 28 de novembro de 2021

They

I'm fighting to stand,
While still my will
I throw at the shelf
I aim out my heart
And tame myself
Not to thwart.
Why do I swallow it?
Can't I scream it out?
Can't I write about?

You don't know the gloom
Of laying alone,
My last candle blown
At my dark room.
The fire fought,
As the image of someone dear
Messed my stomach
Wasn't yet an ache
As now
That's opaque.
Why did it stop hurting?
Seems like nothing's longer real
While I can't feel.

There's someone inside me who wants to hurt me.
Gotta get on tracks,
Gotta mend my cracks,
Gotta stitch me whole,
Gotta get all mend
Not to let them out
While I fight to stand.
Why are you so sad?
Why don't you shoot yourself?
Paint the walls red.

My candle burns eager
Of my abstinence
Like fever
Melting me to bone
Mistreating my stone
Desolating me
Till I'm numb.
Why do I feel so much?

They haven't stopped knocking
At my brain's door,
Haven't stopped talking
To my fragile soul
That forgot by a second
I need a hand
I have to stand.

domingo, 19 de setembro de 2021

You shall never get to know her true self

As she walks behind your steps,
Silently, slightly,
Not a trace
You can get a hint
On how she hunts while walking,
Sober, soberan, wielding grace.

Even though she'd show up
At shape and color you're able to sense
At her minimalist self
At volume and flesh,
Her skin fresh as innocence,
It's ethereal.

Like an opaque storm she unfolds upon you,
Thorn flesh and naked conscience,
You stay when you shouldn't
An run when you couldn't
Be cautious of her deepest self,
Yet you see
At her feet you're not brave
To stand it,
Fearful, thoughtful,
Can't help but crave.

So she lets it,
Like destiny would stop at her laws,
Waiting for her
To move her pawns,
She walks behind your steps.

There's a joy on her walking,
Following, captivating,
For you go unnoticed,
And the world behind you glares
The beauty at your back
While everyone stares.
There's an inner grown smile
As you stop for the traffic
And complain a bit
And the lights are lit
So she can keep walking.

You wouldn't dare think how it'd hurt
To let go of her skirt
When she'd been your sister
For there's something on her
You just can't get
She's the joy of a night
You can't forget
And the comfort of a day
You felt peace.

She dances behind your back
To a song you'd never listen,
Wind and moon as testimonies,
You stare at no vision.
Her dress is sure more colored
Than you can remember.
It dresses her, honored,
As the fabric floats to her steps.

Her mortality feels like a race
And it costs you
For she walks behind
And you're further lost.

domingo, 29 de agosto de 2021

Desperto o cadáver que assassinei

A qualquer momento alguém vai chegar.

Às luzes acesas, enxergo o que não há,

Rastejando,

Me impregnando devagar,

Feito sombra disforme,

Do breve momento de lucidez

Em forma de corpo,

Mesclado, monstruoso,

O delíro afetuoso

Da última vez.


Em meio a meu delírio, alguém vai chegar.

Se eu apagar as luzes,

Elas não se apagam.

Tens imagem de febre,

Até que eu sucumba

E do fundo da tumba,

Meu silêncio se quebre,

Calado, quente,

Talvez não aguente,

Porque achei que se não pensasse,

Não sonhasse, enterrasse,

Não seria o escuro tão visual

Ao que penso e sinto e fujo de medo,

E me salvaria apenas

Ir dormir mais cedo.


A qualquer momento, vou acordar.

Não tendo certeza do que sucedia,

Se invadiu-me o sonho

Da noite ou do dia,

Tenho ao sono, uma imagem cética

Estivesse a luz ainda acesa

De minha chama frenética,

Descansasse bem ou mal

Com tua visão,

Não há saída,

Não há sonho manso

Ou refúgio,

No descanso,

Se me és assombração.


Tanto faz se acordo,

Pois pensar já não me cabe

Até que a porta abra

Ou o dia acabe,

Sou refém carnal

De teu motivo obscuro,

Teu tímido murmuro

Bienal.


A qualquer instante, vou parar de pensar

Porque me tenho escondido,

Tenho usado de escudo

Uma desculpa que já não vale mais,

Porque já pensei em tudo.

Quando acabar o frio,

Estarei vendo,

Ainda tremendo,

Que em meu cérebro vazio há incivilidade,

E te clamo, conjuro, invoco,

Terror que me invade. 

sábado, 28 de agosto de 2021

Eu não quero ser lida

   Eu não quero mais ser lida. Sou mestre das linhas e não há uma palavra que escrevo e não controlo. Não há uma palavra que não seja gatilho, direto, indireto, consciente, inconsciente, as palavras são máscara de meus anseios. Não há um dizer que não signifique o que sinto, uma vírgula fora do meu desejo de cativar, e cativo, da minha sede de que um olhar não se desvie.
   Mesmo tentando, não quero ser lida. Quanto menos sentimento transpiro em palavras, maior o sentimento que escondo. E quanto mais escondo, mais entrelinhas se fazem de minhas palavras, quanto mais escondo, mais arraigado em meu subconsciente, mais eu temo, mais inconcebível se torna que algo exista, e por isso de nada me adianta escrever para ser lida - já não posso ser lida.
   Quando lidas, minhas palavras brandas e suaves não doem, não maltratam o papel, não me fazem remoer relendo, e tenho paz. A serenidade que me entorna é tediosa. A beira do abismo que já não me seduz me foi mais envolvente. Dançamos como um corpo, sujos, espalhando nossa agonia e sangue pelas paredes do meu templo, marcamos a pele e veias do meu altar como chama que espalha. E comparada à beira do abismo - que já não me seduz - a serenidade, a calma que me abraça é como calamidade. É a urgência de saber que não sou, não pertenço à ordem, a um centro. E saiba, se o abismo já não me seduz, entenda: o que desejo, e o quanto o desejo, é o topo do que não tivemos.
   Quando escrevo palavras limpas, as escrevo como uma súplica. Meus desejos são sujos. Portanto, a quem me estiver lendo - não leia. Eu não quero ser lida, quero ser devorada. Quero o desespero entre entregar a mensagem ou não, fazendo - ou fingindo que faço - o maior esforço possível para não entregá-la. Porque não poder dizer nunca me impediu, e entregar a mensagem que não escrevi é como o vento, intenso, espalhando minha chama como uma tempestade.

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

To my Sun

Ever since you rose,

It's been all right,

I dropped my fear

To have you near,

You made all bright.


Beyond my efforts

To keep you in deep,

I couldn't dismiss you

Nor omiss how I'd weep,

In disguises,

A grief

You'd turn into relief

As the sun rises.


Still I'm eager,

For in a gentle way

You melt me to my brightest side

As unhurtful fever

With the light of day.


Is it a new dawn,

A light of forgiveness?

I'd like to say I'm

On it, to do it right

This time,

To lift this ton

To you, my Sun. 

terça-feira, 27 de julho de 2021

The Swamp Queen

She walked through the forest,
No purpose propouned,
Curious and careless
She followed a sound.

She stepped through the woods
And a dark swamp was found,
Wet and warm
Laid the mud all around.

As she walked in,
Vines kept out world bound,
A safe sanctuary
The swamp had compound.

When she bathed in mud,
Her heart beat aloud,
And with moss in her head
Was the swamp queen crowned.

terça-feira, 20 de julho de 2021

Letter #1 from Erika to Mr. W.

My dearest W.,

I know I haven't been in touch for years. I've cut all tangible connections we may have had ever since you found out what I did, and since I'm now sending you a letter, it is fair that you get an explanation about it, even though it's a short one, since this is not the reason I'm sending you a letter.
I went after them because I needed answers, as much as I don't think any other human mean would bring us justice and peace for what they made us go through. And the answers were all wrong answers, so I assumed the world wouldn't need these rotten people. The only regret I have is that the fear in each of their faces could barely compare to the pain I saw in your eyes that day. Should have made them feel more pain.
Just you know that even though our paths seem excludent, I have always cared for you from afar. I'm sorry if you think I was cruel, but this hunt was what kept me awake when I would rather play dead, and as you grew to your flavorless, simple and lonely life, I grew to like being like this.
The real reason I'm sending you this letter is that I can't care for you anymore. At least, for a while, and it consumes me not to be able to. It seems like destiny likes to threaten us both in the same doom we are both not guilty of.
Can't tell you exactly what happened, but you must be aware you can become a target for some of my kind or even worse. And if you trust me as I did trust you in the past, I didn't mean to involve you in this shit, and I swear over my coffin¹ I'm innocent.
Be you still shocked or not, mad at me or not, still you have to be safe. It's been one month since I've been away, but you have incontestable proof that I don't give up on going after the ones who hurt me. Use this information - and the proof - at your favor. I'm already getting things done my way, but have in mind you're worthier alive and unbothered, and have in mind that anyone who protects you will have my kindness when the moon's light brings truth to the damned.
Answering this letter would be pointless. It will never reach me, since this person doesn't exist. I'm sorry for the trouble, and I'll put you up to date as soon as it's safe.

1. I know you paid me some visits. No other person would leave me a blue narcissus.

With some of the love that remains me,
Elena,
Whom you've once known by other name.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Dysmorphia

I recall the shape
I thought I'd recorded on a glance
To keep a trace
Of the resemblance of your face.

As we disconnect,
I remember at pace
Shape to volume
Of your embrace
And it's a scattered bunch of impatience,
A whole sea of sensations,
For in waves still I tremble
At craving the full remembrance,
And I can't reassemble.

I dissect with devotion
Every shape of your smile
And it haunts me to lose them
As they fade
In my inner ocean,
As they were the most tender
And still I
Can't remember.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Guarda Costeira

Te ouvi gritar ao vento,
Fosse o oceano reagir,
Já distante de onde emana teu caminho,
Se pudesse a luz
Te conduzir
Nessa dança rebelde,
Na frequência oculta:
Onda a onda,
Tua súplica transmite qualquer mágoa,
Corrupta,
Que teu coração esconda.

O oceano reage a cada segundo,
Não a ti.
Capta cada grão
De areia
Largado à desconexão,
Reconecta,
Ao passo de tua indecisa frequência,
Tua muda aflição
À impotência.

Como as lágrimas que nunca te vi ofertar,
Teu pranto é a redenção
Frente ao fim,
Frente ao mar,
É absorto
Meio triste, indecifrado
Em tua exaustão.

Quando te ouvi,
Não o vi de bom tom,
Não havia água,
Não havia som.

Quando eu te vir afogar,
Se tudo isso não for colocado pra fora, afunda.
Mas a roupa da impotência já não flutua,
Nem a veste do medo, nem...
Nada.
Como as pedras imóveis na praia eu não falo mais nada.