segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Vênus em aquário

   Sei que naquela manhã você acordou com um sentimento de vazio. Ou da cama, ou do coração, ou da sua caneca de café. O au latte ao seu gosto estava longe de preenchê-la.
   Talvez tenha sido falta de atenção sua não perceber que aquele lençol azul ciano ofendia a minha memória. E a voracidade com que engoli seu corpo em abraços era dedicado ao novo tema, quem dera minha alma pudesse separar as coisas e as policromias da vida.
   Aquele era um tom ciano infeliz, ironicamente doloroso, porque era exatamente o tom perfeito da minha cor favorita. Doloroso e bom como as suas unhas roçando devagar as minhas costas nuas. Mas, sob a luz das velas, eu morria muito mais no tom de azul em que eu me queria estar aninhando para sempre.
   Você deve ter percebido em meu olhar que os seus lençóis foram a minha primeira partida daquele dia. Nada além do meu corpo, nu e largado, sujo e exausto, marcado por dentes e unhas e cordas e mãos, feito de músculos e ossos e pele e o que quer que se chame vida, estava lá. Minha alma mergulhava naquela imensidão azul. Ou talvez não era você que estava lá - gosto mais de crer nessa hipótese - e sim a origem longínqua e melancólica dos seus lençóis (ou a origem das memórias despertadas por eles) na minha psiquê, talvez um olhar azul ciano afogando-se em algum lugar que só eu enxergava sob os lençóis daquele leito.
   Porque sou uma constante inconstância deixei o seu quarto logo depois de você adormecer. Olhei para a caneca de café vazia e lembrei que gosto muito mais de água tônica. Peguei um taxi e voei para o outro lado da cidade.
   Ele abriu a porta e tudo era exatamente como eu lembrava. Todas as coisas ainda estavam no seu lugar. Todas as coisas e eu.

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